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OBSERVATÓRIO DAS BAIXADAS E GERAÇÃO CIDADÃ DE DADOS: UMA DESCENTRALIZAÇÃO DA CIÊNCIA?

  • Foto do escritor: Observatório das Baixadas
    Observatório das Baixadas
  • 14 de jul
  • 3 min de leitura

ARTIGO POR WESLEY SILVA

[OBX]


FOTO: ACESSO PESSOAL, 2025
FOTO: ACESSO PESSOAL, 2025

Durante muito tempo, o conhecimento científico foi utilizado para legitimar barbáries em várias partes do mundo. A cartografia, por exemplo, no período das grandes navegações, ainda que não sistematizada cientificamente, orientou os colonizadores europeus até os continentes que viriam a ser explorados posteriormente, como foi o caso das Américas, incluindo o Brasil. Não esqueçamos do campo das ciências humanas, como a antropologia e a geopolítica, em contexto de totalitarismo e autoritarismo, que foram usadas a partir dos interesses do estado.


Contudo, apesar das contradições de natureza sistêmica, muitas delas relacionadas à localização das escolas teóricas, o campo científico tem passado por avanços significativos e reformulações epistêmicas. Atualmente, os indivíduos, antes tratados como meros objetos de estudo por pesquisadores externos às suas realidades, passaram a ser reconhecidos como sujeitos, assumindo, assim, uma participação mais ativa nas pesquisas, mesmo não sendo os titulares delas.


Essa participação dos sujeitos nem sempre foi ativa, levando em consideração que, por muito tempo, o conhecimento científico os considerava apenas como objetos de pesquisa. Nesse sentido, em diálogo direto com os apontamentos de Gersem Baniwa (2019), indígena, ativista e antropólogo brasileiro, concordamos com a ideia de que esse papel passivo que os indivíduos, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas de baixadas etc., ocupam nas pesquisas está relacionado diretamente com o contexto histórico do processo de colonização, neste caso não apenas geográfica, mas também da própria produção científica. Isso significa dizer que, quando são realizados estudos com essas populações mencionadas anteriormente, os pesquisadores se colocam numa posição central de detentores de todo o conhecimento científico, relegando as realidades locais, as relações subjetivas e os conhecimentos ancestrais que os sujeitos carregam consigo. Esse processo foi e ainda é combinado com as correntes teóricas clássicas e com a produção do conhecimento que, em sua grande maioria, tem sua gênese no pensamento intelectual europeu.


É evidente que não desmerecemos o pensamento científico clássico, ao contrário, entendemos ele como fundamental para a construção e o desenvolvimento do campo científico que temos hoje. Todavia, ele não pode se sobrepor a outros tipos de conhecimentos e saberes, principalmente quando são oriundos de grupos que, historicamente, foram e ainda são excluídos dos espaços do poder e do saber, os quais, infelizmente, ainda hoje sofrem com as fragilidades das ações coloniais.


Entendemos, também, que toda tese tem uma antítese que lhe acompanha, ou seja, um movimento contrário que gera uma síntese. É nesse sentido que o Observatório das Baixadas (OBX), uma organização comprometida com a ciência, a justiça climática, ambiental e a dar voz a todos aqueles que nunca tiveram, principalmente para os que estão territorializados nas baixadas, busca romper com essa lógica hegemônica do conhecimento e da produção científica. Para isso, propomos uma perspectiva horizontal de fazer ciência que seja mais participativa, combinando o uso do conhecimento científico e tecnológico. Trata-se, assim, da geração cidadã de dados oriundos do Atlas das Baixadas. Nesse sentido, consideramos que todos os sujeitos possuem vivências e conhecimentos, mesmo que esses não sejam acadêmicos. O conhecimento ancestral e o senso comum precisam ser considerados, pois carregam vivências e experiências espaciais de cada indivíduo. Assim, ao propormos oficinas para a comunidade local sobre o Atlas das Baixadas, buscamos, na posição de pesquisadores do OBX, treinar a comunidade local para que ela possa, através dessa ferramenta tecnológica, gerar dados, isto é, uma geração cidadã de dados.


É uma forma da comunidade local mapear seus próprios territórios por meio de suas próprias experiências, tendo em vista que ninguém conhece melhor um determinado território do que o sujeito que nele vive. O Atlas das Baixadas é a possibilidade real de conseguir identificar, mapear e denunciar todas as contradições – mormente climáticas e ambientais – presentes nas baixadas e nas periferias das cidades urbanas. Na medida que ele se propõe a confrontar dados oriundos de uma cartografia tradicional e institucional, como do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de uma cartografia puramente técnica e quantitativa, assume o papel de uma cartografia social e, consequentemente, um papel político.


Diante disso, o Atlas das Baixadas enquanto cartografia social e ferramenta política, rompe com a lógica do conhecimento centralizado na imagem de um indivíduo da academia que se coloca na centralidade do conhecimento científico em detrimento de outros conhecimentos e saberes. Rompe, também, com a ideia de que os sujeitos fora dos muros universitários são passivos no processo de produção de conhecimento e geração de dados, pois, na realidade do Atlas, são esses sujeitos que são os produtores de seus próprios dados proveniente de suas realidades territoriais.



REFERÊNCIAS

BANIWA, Gersem Luciano. Antropologia colonial no caminho da antropologia indígena. Novos Olhares Sociais, v. 2, n. 1, p. 22-40, 2019.


 
 
 

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