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COP30: Entre avanços históricos na participação popular e retrocessos nas negociações oficiais

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    Observatório das Baixadas
  • há 3 dias
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Atualizado: há 10 horas

[COP 30]

COP30 OBx
FOTO: ADAPTAÇÃO / REPRODUÇÃO UNFCC & ACONTECE NO PAÍS

A conferência do clima na Amazônia expôs contradições profundas entre as demandas dos territórios e os interesses dos Estados produtores de combustíveis fósseis


A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém entre 10 e 22 de novembro de 2025, ficará marcada na história tanto pelos avanços sem precedentes na participação de povos indígenas, comunidades tradicionais e periferias urbanas quanto pelo fracasso das negociações oficiais em estabelecer um plano concreto para a eliminação dos combustíveis fósseis.

 

O texto final da COP30, chamado de "Pacote Político de Belém" ou "Mutirão Global", foi aprovado na madrugada de sábado, 22 de novembro, após negociações tensas que se estenderam pela noite. O documento não menciona explicitamente a necessidade de transição para longe dos combustíveis fósseis – uma omissão gritante para uma conferência que deveria consolidar os compromissos assumidos na COP28 em Dubai, onde 198 países concordaram em "transicionar para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos".


A resistência de países produtores de petróleo, especialmente Arábia Saudita, Rússia e Índia, impediu a inclusão de um roteiro para a eliminação gradual do petróleo, gás e carvão. O texto final apenas reconhece que "a transição global rumo a economias de baixas emissões de gases de efeito estufa e desenvolvimento resiliente ao clima é irreversível e a tendência do futuro".


Como alternativa de última hora, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, anunciou que o Brasil criará dois roteiros voluntários – um sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis e outro sobre o fim do desmatamento – fora do regime formal da ONU.



FOTO: CRISPIM KHISETJE/ FOSSIL FUEL TREATY INITIATIVE
FOTO: CRISPIM KHISETJE/ FOSSIL FUEL TREATY INITIATIVE
A Colômbia, em parceria com a Holanda, anunciou que sediará em abril de 2026 a primeira conferência global sobre eliminação justa de combustíveis fósseis, em Santa Marta (Col).

Um dos poucos resultados positivos foi o compromisso de triplicar o financiamento para adaptação climática até 2035, em comparação com os níveis de 2025. No entanto, o acordo não estabelece valores específicos e adia o prazo em cinco anos em relação ao que os países mais pobres demandavam até 2030. O texto também estabelece um processo de dois anos sobre financiamento climático e uma mesa-redonda ministerial de alto nível para discutir o progresso rumo ao cumprimento da meta de US$ 300 bilhões anuais até 2035, acordada na COP29, em Baku (Azerbaijão).Outro ponto positivo foi a adoção dos Indicadores Globais de Adaptação (GGA), utilizado para avaliar a resiliência na proteção de vidas humanas, serviços essenciais e capacidade real de resistir a eventos climáticos extremos. Considerado por muitos como o maior legado da Decisão do Mutirão, nome do documento final apresentado na plenária.


Participação Popular: O Verdadeiro legado da COP30


Marcha Global pelo Clima
FOTO: AMARILIS MARISA

Enquanto as negociações oficiais decepcionavam, a participação de movimentos sociais, povos indígenas, comunidades quilombolas e periferias urbanas atingiu níveis históricos. Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, cerca de 5 mil indígenas estiveram presentes em Belém, incluindo 3,5 mil hospedados na Aldeia COP e quase 400 credenciados na "Zona Azul" – a área restrita de negociações oficiais.


A Cúpula dos Povos reuniu cerca de 30 mil pessoas de mais de 1.100 movimentos sociais, organizações comunitárias e redes internacionais de 62 países. Organizada ao longo de dois anos, a Cúpula se apresentou como uma resposta autônoma à conferência da ONU, estruturada em seis eixos: soberania alimentar, reparação climática, transição energética justa, poder corporativo, bens comuns e racismo ambiental.


A programação da Cúpula incluiu uma barqueata com 150 embarcações no Rio Guamá, plenárias mundiais, a Cúpula das Infâncias (pela primeira vez crianças e adolescentes tiveram espaço protagonista), e culminou com a Marcha Global pelo Clima no dia 15 de novembro, que reuniu mais de 20 mil pessoas pelas ruas de Belém.


Barqueata da Cúpula dos Povos
FOTO: ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/AMAZÔNIA REAL

PerifaConnection: Periferias no Centro do Debate Climático


Perifaconnection lança livro na COP 30
FOTO: PERIFACONNECTION

Um dos momentos mais simbólicos da COP30 para as periferias foi o lançamento do livro "Periferias no Combate ao Racismo Ambiental: Tecnologias de Sobrevivência e Luta pelo Bem Viver", realizado pelo PerifaConnection no dia 16 de novembro, no bairro Jurunas, baixada de Belém. O evento, que integrou a programação da COP das Baixadas nas "Yellow Zones", demonstrou na prática o que significa descentralizar o debate climático e colocar os territórios periféricos no centro das discussões.


"O racismo ambiental é um conceito territorial, de quem está vivendo a terra com marcadores sociais e de territorialidade", afirma trecho do livro, que reúne textos de 18 autores de 11 territórios diferentes – jovens negros, periféricos e de comunidades tradicionais que discutem o tema a partir da perspectiva de quem sente esse fenômeno na pele, muito antes de ele se tornar conceito acadêmico.


Thuane Nascimento, diretora-executiva do PerifaConnection e organizadora da publicação ao lado de Karina Penha, co-fundadora do Amazônia de Pé, explica que a ideia nasceu da percepção de que, embora a juventude periférica estivesse cada vez mais presente em mesas de debate, ainda não era reconhecida como produtora de conhecimento.


"A gente está nas periferias e também consegue compartilhar os saberes ancestrais que aprendemos com nossos mais velhos e mais velhas", conta Thuane. "Há uma diferença profunda entre informação e conhecimento."

Lançar a obra durante a COP30 tem um sentido político claro. Thuane vê no movimento da COP das Baixadas e na proposta das Yellow Zones um esforço de aproximar debates globais da população periférica, circulando conhecimento e cultura em territórios historicamente excluídos.

Entre as autoras está Waleska Queiroz, cofundadora do Observatório das Baixadas e liderança climática do século XXI pela Rede de Jovens Climáticos (YCL) e pelo Conselho Britânico. Para ela:


"Aqui, assim como nas diversas Amazônias que existem dentro e fora dos mapas oficiais, a emergência climática ganha rosto, território e cor. E aquilo que sempre denunciamos das periferias se torna impossível de ignorar: a crise climática tem CEP, tem raça, tem gênero e tem classe social."

Waleska Queiroz discursando em nome das baixadas
FOTO: YANE MENDES

O PerifaConnection demonstrou que há uma potência de ideias e conhecimentos produzidos pelas juventudes periféricas, urbanas e rurais, que não pode ser ignorada pelas decisões tomadas a portas fechadas em salas climatizadas. Como diz Zica Pires: "Quando nós, quilombolas, indígenas e afro-originários, entendemos que é uma trincheira de vida contra uma ideologia de morte, entendemos o nosso lugar comum. Nós defendemos a vida."


Reconhecimento histórico!

A COP30 também entrou para a história como a primeira a reconhecer formalmente o papel de afrodescendentes na luta climática. O documento final incluiu pela primeira vez uma menção inédita à contribuição das comunidades afrodescendentes para a ação climática global, resultado de anos de pressão de movimentos de matriz africana e quilombolas.

Menção histórica a afrodescendentes nos textos oficiais da COP 30
FOTO: UESLEI MARCELINO/COP30

Tensões e Conflitos

A COP30 também foi marcada por momentos de tensão. Na noite de 11 de novembro, manifestantes de organizações do Baixo Tapajós, Movimento Juntos e Juventude Ecossocialista ocuparam parte da entrada da Zona Azul onde ocorriam as negociações oficiais. O ato teve confrontos com a segurança do evento e houve relatos de violência contra jornalistas que cobriam a manifestação.


No dia 20 de novembro, um incêndio atingiu parte das instalações da Zona Azul, levando à evacuação dos participantes. Ao que tudo indica, o incêndio foi consequência de um curto-circuito que se iniciou no pavilhão East African Community (EAC). O ministro das Cidades, Jader Filho, afirmou que não houve feridos e que as chamas foram rapidamente controladas pelo Corpo de Bombeiros.



REPRODUÇÃO DA INTERNET

REPRODUÇÃO DA INTERNET

Um dos poucos avanços concretos celebrados por ativistas foi a criação de um mecanismo de ação para transição justa, destinado a garantir que trabalhadores e comunidades não sejam deixados para trás na mudança dos sistemas energéticos. O mecanismo funcionará como um hub para apoiar países com cooperação internacional, assistência técnica e capacitação.


Pela primeira vez, questões comerciais foram incluídas em uma decisão da COP. O texto estabelece diálogos anuais sobre cooperação internacional em comércio nas próximas três sessões intermediárias de Bonn, reafirmando que "medidas tomadas para combater a mudança climática, incluindo unilaterais, não devem constituir meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição disfarçada ao comércio internacional".


Especialistas apontam isso como uma vitória da China, que tem criticado o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira proposto pela União Europeia e outras barreiras comerciais vinculadas ao clima. A ausência dos Estados Unidos nas negociações – após o presidente Donald Trump ter abandonado novamente o Acordo de Paris – lançou uma sombra sobre toda a conferência. Mas observadores apontam que a Europa também falhou em exercer um papel de liderança efetiva.


Balanço Final


A COP30 expôs de forma cristalina a distância entre o que a ciência climática indica como necessário e o que a geopolítica dos combustíveis fósseis permite como possível. Enquanto o planeta caminha para ultrapassar 1,5°C de aquecimento – limite estabelecido no Acordo de Paris –, países produtores de petróleo conseguiram impedir até mesmo a menção aos combustíveis fósseis no documento final.


Por outro lado, a conferência demonstrou que a mobilização dos povos afrodescendentes, indígenas, quilombolas, periféricos e jovens – está mais forte do que nunca. A presença massiva desses grupos, sua articulação em redes internacionais e sua capacidade de produzir conhecimento e propostas concretas representam, talvez, a maior esperança de que a transição necessária possa acontecer.


Como declarou a ministra Marina Silva no encerramento:

"Acredito que podemos mostrar hoje que, apesar de atrasos, contradições e disputas, há continuidade entre a ambição da Rio-92 e o esforço de hoje. Que permanecemos capazes de cooperar, de aprender, e de reconhecer que não há atalhos – e que a coragem para confrontar a crise climática é resultado de persistência e esforço coletivo."
Marina Silva faz discurso de encerramento
FOTO: UESLEI MARCELINO/COP30

A verdadeira questão agora é se os roteiros voluntários prometidos pelo Brasil e a conferência da Colômbia em 2026 conseguirão traduzir essa mobilização popular em ação concreta, ou se continuaremos presos no que Harjeet Singh chamou de "o teatro do atraso mais mortal de todos os tempos".


Para o Observatório das Baixadas, que esteve presente desde a Zona Azul até a Cúpula dos Povos, fica claro que as verdadeiras soluções para a crise climática estão nos territórios, nas periferias, nas florestas – e não nos salões climatizados onde petro-Estados exercem poder de veto sobre o futuro do planeta. O trabalho do PerifaConnection e de tantos outros coletivos periféricos demonstra que já existe conhecimento, já existem soluções, já existe mobilização. O que falta é vontade política para colocá-las no centro das decisões globais.

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